DOM VINÍCIUS LUCAS
POR MERCÊ DE DEUS E DA SANTA SÉ APOSTÓLICA
BISPO TITULAR DE ACUFIDA
BISPO AUXILIAR PARA A ARQUIDIOCESE PRIMAZ DE SÃO JOÃO DEL CREEPER
POR MERCÊ DE DEUS E DA SANTA SÉ APOSTÓLICA
BISPO TITULAR DE ACUFIDA
BISPO AUXILIAR PARA A ARQUIDIOCESE PRIMAZ DE SÃO JOÃO DEL CREEPER
HOMILIA: 
"MISSA VESPERTINA DA CEIA DO SENHOR"
Meus irmãos e minhas irmãs,
Entramos nesta noite sagrada no Tríduo Pascal — os três dias santos nos quais celebramos o mistério central da nossa fé: a paixão, morte e ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. E tudo começa aqui, nesta ceia silenciosa e densa de amor, de entrega e de mistério.
O evangelista João, ao contrário dos sinóticos, não narra a instituição da Eucaristia com as palavras “isto é o meu corpo, isto é o meu sangue”. Mas não pensemos que ele não a menciona. João faz algo mais ousado: ele nos revela o sentido profundo da Eucaristia através de um gesto — o lava-pés.
O texto começa nos dizendo que “Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai”. Esse detalhe muda tudo. Jesus sabe o que está para acontecer. Ele não é surpreendido pelos acontecimentos. Ele não é vítima do destino. Ele entrega sua vida livremente. E o que Ele faz diante da iminência da cruz? Ama. Ama até o fim.
“Amou os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.” Eis o centro do Evangelho. O que move Jesus não é o medo, não é a angústia, nem o desejo de poder. É o amor fiel, total, radical, até o limite da cruz.
E é exatamente esse amor que se manifesta no gesto surpreendente: Jesus, o Senhor, levanta-se da ceia, tira o manto, pega uma toalha e se cinge. Ele se abaixa, pega uma bacia com água e começa a lavar os pés dos discípulos. Um por um. Inclusive os pés daquele que o trairia.
Meus irmãos, esse é um gesto que choca. Porque lavar os pés era tarefa dos escravos, dos servos mais humildes. Era um serviço impuro. Era indigno. Mas é isso que Jesus escolhe fazer. Ele se faz servo de todos. Ele desce ao nível do mais baixo para elevar o ser humano à dignidade divina.
E aqui está o coração da nossa fé: Deus não é aquele que se impõe pela força, mas o que ama até se abaixar. Até se ajoelhar. Até lavar nossos pés sujos de cansaço, de pecado, de indiferença. É esse o Deus que nós seguimos.
Pedro resiste: “Tu me lavar os pés, Senhor?” A resistência de Pedro é a nossa. Nós também temos dificuldade de deixar que Jesus nos ame de forma tão humilde. É difícil aceitar que Deus nos sirva. É desconfortável perceber que o amor d'Ele não exige nada em troca. Mas Jesus insiste: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo.”
Aqui, mais uma vez, vemos que o que está em jogo não é apenas um gesto bonito, mas a condição para participar da vida de Deus. Ser discípulo de Jesus é deixar-se lavar. É permitir que Ele nos purifique com sua misericórdia. É aceitar que a salvação não é uma conquista, mas um dom. Um dom que nos transforma.
Depois de lavar os pés, Jesus volta à mesa e pergunta: “Compreendeis o que acabo de fazer?” E então vem a chave do Evangelho: “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz.”
A Eucaristia que celebramos hoje — memorial da entrega de Cristo — só será verdadeira se for acompanhada pelo serviço. Não há Eucaristia sem lava-pés. Não há comunhão com Cristo sem comunhão com os irmãos. Não há mesa do altar sem bacia e toalha da caridade.
Esta noite nos faz olhar para dentro. Que tipo de cristãos temos sido? Seguimos Jesus na glória, mas o acompanhamos na humildade? Queremos comungar seu Corpo, mas estamos dispostos a nos abaixar diante do outro? Queremos a salvação, mas fugimos do serviço?
Celebrar esta missa é deixar-se transformar. É permitir que o Cristo nos lave. E, mais ainda, é assumir o compromisso de lavar os pés dos irmãos:
– no cuidado com os doentes,
– na escuta dos que estão sozinhos,
– no perdão dentro da família,
– na solidariedade com os pobres,
– na paciência com quem nos fere.
Hoje, somos convidados a renovar nossa identidade cristã: discípulos que servem, missionários do amor, comunidades com o avental da humildade e a toalha da misericórdia.
Que esta noite, tão densa e tão santa, nos ajude a compreender que a força da Igreja está nos que amam como Jesus amou, e servem como Jesus serviu. Que a Eucaristia que vamos receber nos transforme, e que a memória do lava-pés nos impulsione.
Porque, no fim, será isso que o Senhor nos perguntará:
“Você lavou os pés do seu irmão? Você soube amar até o fim?”

 
0 Comentários